- Contos de uma bruxinha cósmica -
-Eu volto depois.
Em seguida, a imagem dela comprando um chapéu azul de lantejoulas na banquinha mais à frente.
Os momentos de primorosos bordados naquele chapéu azul oferecido anteriormente áquela moça, em sua banca de chapéus, parecia reforçar uma dolorosa insatisfação. Essa tarde no mercado resumia claramente as suas vendas, e esta dedução lhe fazia oscilar como se ela mesma se sentisse pendurada naquele galho seco.
Em um impulso de auto valorização pegou o chapéu azul e vestiu. Inspirou se sentindo um tanto estúpida pela sua revolta repentina, mas deixando a auto crítica, percebeu naquela proximidade um acolhimento de sua própria criação. Então, sem tentar se justificar, continuou a usá-lo.
Foi varrer a casa, limpar o ambiente lhe ajudava a expurgar as nebulosidades no coração. Mas, ao abrir a porta da frente viu um pequeno cachorro passeando em seu jardim.
Amarelo como a linha que escolheu para o incenso, seu pêlo brilhava com o sol e ela sentiu que não era por acaso. Pousou a vassoura no batente da porta, e deixou-se tocar por aquela visão.
Seu íntimo lhe trazia o peso do esforço de anos naquele ofício, na missão que enredava seus dias pelo esmero hábil que conduzia o seu trabalho, tão raro se exercido com propósito e essência, mas tão inútil se replicado em frivolidade. Para ela os chapéus eram instrumentos mágicos de conexão com o divino, mas para muitos era apenas um adereço excêntrico quando queriam chamar a atenção. Ela mesma há muito tempo não usava o seu próprio chapéu, o primeiro que criou, pois queria preservar o merecimento de cada peça criada, como se ela estar ali ostentando um determinado chapéu em sua cabeça indicaria que ele seria o mais adequado, e ela sabia que cada um era único, e portanto, preferia não influenciar a escolha dos seus clientes.
Na verdade, fazia algum tempo que o seu próprio chapéu havia se rasgado, e ela nem teve tempo para tirá-lo da gaveta e costurá-lo. Talvez colocar este chapéu azul tenha exercido um efeito nostálgico, mas havia um sentido mais profundo, que parecia lhe estimular a investigar um pouco mais.
O cachorro cheirava as flores do canteiro, e ela se deu conta de tantas ervas daninhas que haviam crescido ali, sem que ela percebesse.
Quando sua vida passou a ser só o trabalho?
Fazer o que achava ser o seu ofício não estava de fato sendo o bastante, e agora percebia que se esforçava cada vez mais para suprir o que sentia faltar. Mas, o Cosmos parecia lhe dizer que isso não estava certo, e todo aquele propósito digno na prática se mostrava oscilante e confuso.
Enquanto isso, o cachorro percebeu sua presença ali parada como um dois de paus e veio timidamente em sua direção, cheirou suas sandálias. Mas, ao lhe olhar nos olhos deu meia volta e saiu correndo pela trilha verde. Este breve instante, em que ele corria sob a luz do sol, lhe clareou o interior.
O caminho da vida não leva a lugar algum.
Porque não existe um caminho, só existe o caminhar.
Acreditar que algo é o propósito da nossa vida é viver em uma ilusão.
Os resultados dos nossos esforços não trazem o real sentido da vida, porque a vida não nos pede objetivos ou resultados, ela só espera estarmos prontos para viver, estarmos presentes experimentando. Você só precisa ser honesto o bastante para respeitar a sua singularidade de ser e viver de acordo com o que te faz feliz, então, com leveza, o passado e o futuro se torna o preciosamente vulnerável agora.E, como aquele cachorro amarelo, a vida se torna naturalmente você passeando pelas descobertas.
Depois deste despertar interior, o chapéu azul passou a ser o seu novo chapéu.
E, naquele entardecer a bruxinha desmanchou o incenso de linha amarela e colocou as ervas dentro do chapéu velho agradecendo, por aquele entendimento, e por todos os anos em que fora o seu chapéu de bruxa. Pegou a linha amarela e bordou uma estrela em destaque no azul do seu novo chapéu, esta clareza se manteria acesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário